PEDRAS NO CAMINHO?
GUARDO TODAS, UM DIA VOU CONSTRUIR UM CASTELO...
Fernando Pessoa
Percorri aquela entrada
vezes sem conta. Quase que sei de cor como estão dispostas as pedras da
calçada. Umas certinhas ,outras irregulares..
Como é lindo o meu
Hospital. Meu?
Sim, porque foi ali que
eu trabalhei, durante muitos e muitos anos.
Foi, quando abriu, uma
referência.
Tínhamos, como
filosofia, a humanização dos cuidados.
Foram raras, as
excepções; Era realmente, pelo que vi, um Hospital em muitos aspectos
exemplares.
Gostava de trabalhar e
empenhava me ,para que os cuidados aos utentes fossem eficientes.
De dia ou de noite,
sentia alegria de ir e cuidar deles...Os utentes.
Sentia algo, difícil de
descrever...Em cada um deles, procurava dar lhes, o conforto, o carinho, numa
relação, de tal forma empática, que na maioria das vezes, quando regressava a
casa, não os esquecia.
Não descuidando a
competência técnica, dava muita atenção á parte relacional.
As noites, eram
particularmente diferentes…
O Hospital, tem uma
vida própria.
No silêncio da noite, a
dor fica mais forte, os receios, o medo, a insónia a saudade, estão mais
visíveis.
A partida, para a outra
margem, mais frequente.
O amanhecer do dia ,
traz uma acalmia, uma paz, um despertar de nova esperança....A vida renova-se.
Ainda hoje lembro
alguns deles, nunca os esquecerei...A Isilda que vivia com o
periquito..."tanta preocupação, ficou só .
,O Fernando, tão novo
ainda, e que luta travamos...Com ele partilhei tristeza ..sofri.
Muitos outros, alguns
esqueci o nome..
Estava mal, muito mal,
era alguém muito especial ...Meu Pai.
Após tanta luta, o fim
aproximava se. Vesti a bata e fui para junto dele.
A noite era diferente, sentia-me
ausente, queria fazer mais, o impossível para prolongar a vida...
Não aceitava o
desfecho...
Sentei me ao lado dele,
olhei -o e chorava, silenciosamente sem me controlar.
As lágrimas caem-me sem
cessar.
Foi durante a doença
dele, que mais consciência tomei de quanto o amava.
Era dócil, meigo, alegre,
bom pai.
A respiração era
ofegante, espaçada; A oxigenoterapia pouco resultava.
O semblante dele estava
calmo…Os olhos fechados, sabia que estava ali junto a ele...
Estava a ir ,para a
outra margem, estava ao lado dele...
Foi então que nos
olhamos,...sorriu, abanou a cabeça ,e morreu.
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