sábado, 20 de abril de 2013

Pedras na Calçada


PEDRAS NO CAMINHO?
GUARDO TODAS, UM DIA VOU CONSTRUIR UM CASTELO...
Fernando Pessoa





Percorri aquela entrada vezes sem conta. Quase que sei de cor como estão dispostas as pedras da calçada. Umas certinhas ,outras irregulares..

Como é lindo o meu Hospital. Meu?

Sim, porque foi ali que eu trabalhei, durante muitos e muitos anos.

Foi, quando abriu, uma referência.

Tínhamos, como filosofia, a humanização dos cuidados.

Foram raras, as excepções; Era realmente, pelo que vi, um Hospital em muitos aspectos exemplares.

Gostava de trabalhar e empenhava me ,para que os cuidados aos utentes fossem eficientes.

De dia ou de noite, sentia alegria de ir e cuidar deles...Os utentes.

Sentia algo, difícil de descrever...Em cada um deles, procurava dar lhes, o conforto, o carinho, numa relação, de tal forma empática, que na maioria das vezes, quando regressava a casa, não os esquecia.

Não descuidando a competência técnica, dava muita atenção á parte relacional.

As noites, eram particularmente diferentes…
O Hospital, tem uma vida própria.

No silêncio da noite, a dor fica mais forte, os receios, o medo, a insónia a saudade, estão mais visíveis.

A partida, para a outra margem, mais frequente.

O amanhecer do dia , traz uma acalmia, uma paz, um despertar de nova esperança....A vida renova-se.

Ainda hoje lembro alguns deles, nunca os esquecerei...A Isilda que vivia com o periquito..."tanta preocupação, ficou só .

,O Fernando, tão novo ainda, e que luta travamos...Com ele partilhei tristeza ..sofri.

Muitos outros, alguns esqueci o nome..

Estava mal, muito mal, era alguém muito especial ...Meu Pai.

Após tanta luta, o fim aproximava se. Vesti a bata e fui para junto dele.

A noite era diferente, sentia-me ausente, queria fazer mais, o impossível para prolongar a vida...

Não aceitava o desfecho...

Sentei me ao lado dele, olhei -o e chorava, silenciosamente sem me controlar.

As lágrimas caem-me sem cessar.

Foi durante a doença dele, que mais consciência tomei de quanto o amava.

Era dócil, meigo, alegre, bom pai.

A respiração era ofegante, espaçada; A oxigenoterapia pouco resultava.

O semblante dele estava calmo…Os olhos fechados, sabia que estava ali junto a ele...

Estava a ir ,para a outra margem, estava ao lado dele...

Foi então que nos olhamos,...sorriu, abanou a cabeça ,e morreu.


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